ORAÇÃO DO POLICIAL FEDERAL
Senhor, Vós me entregastes a guarda de meu irmão. A sociedade delegou-me o encargo de valer por todos eles. E recebi, Senhor, esse fardo, por um ideal que, não raro, é confundido com mercenarismo quando o heroísmo, o sacrifício consciente, o risco de vida e o estoicismo são, de fato, a mola propulsora das lutas que propugno.
Senhor, eu sou humano e falho, passível de erros e omissões, e, por reconhecer-me com tal, Vos peço seja-me concedido o direito de, eventualmente, errar, estando em busca da verdade; e de omitir-me, pelo desconhecimento daquilo que não poderei, senão prevenir e resguardar, jamais prever ou preconceituar, por respeito às Vossas leis e às leis da sociedade que me atribuiu deveres e me forneceu os instrumentos para agir em sua defesa e em seu nome.
Senhor, eu devo ser humilde e anônimo, mas como conseguir, Senhor, sem a Vossa ajuda, livrar-me da vaidade de missão cumprida, e do orgulho da consciência imperturbada? Sei ainda, Senhor, que, no cumprir das minhas tarefas, irão aguardar-me, comumente, a incompreensão e o inconformismo de muitos daqueles por quem venho, e pelos quais hei de assistir a agonia do companheiro-guardião mais próximo de meu coração, imbuído ele, como eu, dos mesmos ideais que foram aceitos com destemor em dia solene e inesquecível.
Fazei então, Senhor, nesses instantes amargos e depressivos que tornam obscuros por densa cortina d’água os meus olhos e que minhas mãos procuram, debalde, ensanguentadas, estancar o fluido vital que se esvai e levará consigo o último estertor do amigo que eu assistir acabrunhado, que eu não me revolte e que eu não me deixe dominar pela ira e pela irracional sede de vingança.
Fazei, Senhor, que eu me recorde de tudo aquilo que me foi ensinado, tornando-me mais humano e menos mortal que os outros homens e, disciplinarmente, compreenda e acate os Vossos desígnios. Dai-me, Senhor, por acréscimo, as qualidades que necessito para compartilhar da dor alheia e entender a tragédia humana dentro dos seus reais limites, jamais permitindo o ingresso de alguém numa trilha quase sempre sem retorno.
Dai-me, Senhor, ainda, a vitalidade perene da minha consciência através da lucidez, do equilíbrio de atitudes, da sensatez, da firmeza, da determinação, da coragem, da fé nos destinos maiores do ser humano e de toda a humanidade, para que eu jamais hesite, retroceda ante o dever, ou esteja ausente no combate quando minha presença se fizer necessária no instante-momento, relâmpago-espaço da decisão e da ação em defesa daqueles a quem dedico minha efêmera existência.
Finalmente, Senhor, dai-me, mesmo nos momentos de repouso, o cansaço da reflexão que me emudecerá o espírito; e o dom da autocrítica que impedirá o embotamento de meus sentidos e o adormecimento do meu alter interior, para que, quando chegada a minha hora derradeira e em Vossa presença, possa afirmar sentidamente que fiz tudo o que me fora possível fazer; e — quem sabe, Senhor? — possa perceber o Vosso magnânimo sorriso e o leve toque de Vossas mãos divinas sobre minha cabeça compungida a dizer-me que eu levante o rosto e Vos encare, pois fui um justo na face da Terra.
F.A.C.B.L
Autor: Francisco de Assis Cavalcante Barros Leal